segunda-feira, 16 de abril de 2012

Sobre a escrita

Nesses tempos, sempre é bom lembrar sobre a escrita:

"A escrita-ciborgue tem a ver com o poder de sobreviver, não com base na tomada de posse dos mesmos instrumentos para marcar o mundo que as marcou como outras. Os instrumentos são, com frequência, histórias recontadas, que invertem e deslocam os dualismos hierárquicos de identidades naturalizadas. Ao recontar as histórias de origem, as autoras-ciborgues subvertem os mitos centrais de origem da cultura[...] A política do ciborgue é a luta pela linguagem, é a luta contra a comunicação perfeita, contra o código único que traduz todo significado de forma perfeita - o dogma central do falogocentrismo. É por isso que a política do ciborgue insiste no ruído e advoga a poluição, tirando prazer das ilegítimas fusões entre animal e máquina" HARAWAY, Donna. "Manifesto Ciborgue".

Dito em outras palavras:
www.ted.com/talks/lang/pt/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html

Entrevista com Donna Haraway



Disponível em: http://www.pontourbe.net/mnu-traducao

Se nós nunca fomos humanos, o que fazer?

Título original: When We Have Never Been Human, What Is to Be Done? Interview with Donna Haraway

Autor: Nicholas Gane
Tradução: Ana Letícia de Fiori
Revisão: Ivo Cantor Magnani[1]

NG: O “Manifesto Ciborgue” foi publicado originalmente na Socialist Review em 1985, há 25 anos. Quais eram seus objetivos e motivações ao escrever esse ensaio?
DH: Havia dois tipos de documentos de posição pública que fui solicitada a produzir no contexto do feminismo socialista e, de modo mais amplo, dos novos movimentos de esquerda nos Estados Unidos nos anos 1980. Do ponto de vista dos Estados Unidos, logo após a eleição de Reagan, o coletivo da Socialist Review na costa oeste pediu a mim e a várias outras pessoas – Barbara Ehrenreich e outras – para escrever cinco páginas discutindo as posições feministas socialistas e questionando as mudanças políticas urgentes que deveríamos promover. Questionamo-nos que futuro poderia haver para nossos movimentos no contexto na eleição de Reagan e, é claro, o que aquela eleição representava em termos de questões culturais e políticas mais amplas, não apenas nos Estados Unidos, mas em escala mundial. Thatcher, na Inglaterra, simbolizou isso um pouco, mas era algo maior do que qualquer formação nacional.
Assim, fomos solicitadas a produzir cinco páginas enfrentando essas questões a partir de nossas heranças; e isso foi o estímulo imediato para o texto publicado na Socialist Review e que circulou como um manifesto para ciborgues, ou, como eu realmente gostaria de intitulá-lo, “Manifesto Ciborgue”, em uma relação de brincadeira com o Manifesto Comunista de Marx. Houve porém outro estímulo relacionado com a mesma rede de pessoas: uma conferência internacional dos novos movimentos de esquerda em Cavtat, na antiga Iugoslávia (hoje Croácia), alguns anos antes do texto sair na Socialist Review. Pediram-me para representar o coletivo da Socialist Review nessa conferência, e isso me ajudou a pensar de um modo mais transnacional a respeito das informáticas da dominação, a política ciborgue e a importância extraordinária dos mundos de tecnologia da informação (TI).
O ensaio proveio também da minha própria história como bióloga. Meu PhD é em biologia. Amei a biologia e me engajei profunda e apaixonadamente em seus projetos de conhecimento: suas materialidades, organismos e mundos. Mas também sempre me apropriei da biologia a partir de uma formação acadêmica igualmente poderosa em literatura e filosofia. Política e historicamente, jamais pude considerar o organismo como algo simplesmente dado. Estava extremamente interessada nos meios pelos quais o organismo é um objeto de conhecimento, como um sistema de produção e distribuição de energia, ou como um sistema de divisão de trabalho com funções executivas. Essa é a história do ecossistema como um objeto que só pôde vir à luz no contexto do manejo de recursos, o rastreamento de energias através dos níveis tróficos, os aparatos de marcação viabilizados pelas instalações nucleares de Savannah Rivers, e a emergência das guerras inter-disciplinares em cibernética, química nuclear e teorias de sistemas.
Para mim, nunca foi realmente possível apropriar-me da biologia sem um tipo de consciência impossível da historicidade radical de tais objetos de conhecimento. Você lê pessoas como Foucault e nunca mais é a mesma. Mas nunca fui uma pós-modernista a partir de uma tradição fundamentalmente literária e arquitetônica. Para mim, a questão sempre girou em torno das materialidades da instrumentação de organismos e de laboratórios, [fui] sempre interessada nos vários não-humanos em cena. O “Manifesto Ciborgue” surgiu de tudo isso.