sexta-feira, 27 de abril de 2012

terça-feira, 24 de abril de 2012

Haraway


A transformação tanto dos atributos de extensão quanto dos atributos espirituais do que nos acostumamos a chamar de humano pela interação com o que nos acostumamos a chamar de “não-humano”, seja este “não-humano” de ordem orgânica (animais) ou não-orgânica (máquinas), põe em cheque nossa noção comum de subjetividade, isto é, nossa noção comum de fonte de intencionalidade ou, em uma palavra, de humanidade.
Com o ciborgue, que é resultado, nos termos de Haraway, da “humanização da máquina” e da “maquinização do humano” – eu prefiro dizer, por julgá-lo mais exato, da organificação do inorgânico e da inorganificação do orgânico -, nossas regiões ontológicas tradicionais se confundem. É que a autoria transcendente, que antes parecíamos reputar apenas a certas entidades possíveis, agora é faculdade de todas as entidades possíveis.
A singularidade e a exclusividade do humano se dissolve – tudo pode ser humano e tudo pode não ser. Tudo pode ser vetor e fonte de intenção ou não ser. Isso nos força a deixar de pensar sujeitos como mônadas fixas e, para aproveitar nosso contato recente com a ontologia deleuziana,  mais como resultado de fluxos e intensidades espirituais e materiais (reais). O humano não é mais uma entidade segura – aliás, não existe mais entidade segura. O humano se revela agora como sendo não um ser (being), mas como um devir (becoming).
Podemos ilustrar esse movimento partindo de uma imagem retirada das Ideen II de Husserl com que me deparei enquanto fazia minhas leituras livres sobre pós-humanismo para a intervenção de hoje. Para Husserl, (1) coisas fazem parte do mundo material por estarem causalmente relacionadas com outras num contexto temporal e espacial; (2) o espírito faz pertence ao mundo humano por ser dotado de significado e intenção e (3) o corpo realiza a transição entre essas duas regiões ontológicas por ser tanto objeto material quanto órgão da intenção, isto é, por ser tanto capaz de tocar quanto passível de ser tocado. Em Haraway, o ciborgue revela que tudo é corpo – ou, pelo menos, que tudo pode ser corpo.
Isso tudo parece muito bonito e profundo, mas não posso deixar de levantar duas questões à autora. A primeira das quais eu temo dizer que seja a mais educada delas. Ela diz respeito a algo que ela disse em sua entrevista “Se nós nunca fomos humanos”. Ali, a autora negou que o houvesse ciborgue desde a origem da humanidade. O ciborgue é produto, ela diz,  de um processo iniciado no fim da segunda Guerra Mundial ou, na melhor das hipóteses, a partir do fim do séc. XIX. Qualquer tentativa de o reportar às origens da humanidade seria um erro. Mas como? Não imbricamos nossos corpos com os corpos de seres orgânicos e inorgânicos desde de sempre (ou desde há tanto tempo que sequer é possível datá-lo)? O que dizer da existência conjugada do cavalo e de seu cavaleiro, do objeto cortante e de seu manuseador costumeiro, novidades do capitalismo tardio? Esses encontros não agem consideravelmente sobre os esquemas de ação, sobre as formas de agir, sentir e pensar dos atores envolvidos? A habilidade da escrita não age sobre a memória, sobre o pensamento e sobre a expressão de quem a porte? Talvez seja verdade que essa conexão seja mais intensa contemporaneamente, mas ela me parece ser puramente uma questão de grau que não nos permite recusar o nome de ciborgue aos ciborgues menos radicais de outros tempos.
A segunda questão diz respeito à em que medida a tese da co-produção dos entes físicos e não-físicos e orgânicos e não-orgânicos é uma grande novidade. A obsessão de clássicos da cultura humanista como Montesquieu com, por exemplo, os efeitos do relevo sobre o indivíduo e a sociedade não é um eco disso? E, mais radicalmente até, as esconjuradas hipóteses de Lamark sobre em que medida  a atividade de cada homem se inscreveria em seu genoma não revelam uma mesma sensibilidade? Eu acho que a tese da agência das coisas é mais velha do que queremos admitir. It’s old wine in new bottles.

Por que o filósofo não respondeu à pergunta?

Porque ele a achou muito Espinosa.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Sobre a escrita

Nesses tempos, sempre é bom lembrar sobre a escrita:

"A escrita-ciborgue tem a ver com o poder de sobreviver, não com base na tomada de posse dos mesmos instrumentos para marcar o mundo que as marcou como outras. Os instrumentos são, com frequência, histórias recontadas, que invertem e deslocam os dualismos hierárquicos de identidades naturalizadas. Ao recontar as histórias de origem, as autoras-ciborgues subvertem os mitos centrais de origem da cultura[...] A política do ciborgue é a luta pela linguagem, é a luta contra a comunicação perfeita, contra o código único que traduz todo significado de forma perfeita - o dogma central do falogocentrismo. É por isso que a política do ciborgue insiste no ruído e advoga a poluição, tirando prazer das ilegítimas fusões entre animal e máquina" HARAWAY, Donna. "Manifesto Ciborgue".

Dito em outras palavras:
www.ted.com/talks/lang/pt/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html

Entrevista com Donna Haraway



Disponível em: http://www.pontourbe.net/mnu-traducao

Se nós nunca fomos humanos, o que fazer?

Título original: When We Have Never Been Human, What Is to Be Done? Interview with Donna Haraway

Autor: Nicholas Gane
Tradução: Ana Letícia de Fiori
Revisão: Ivo Cantor Magnani[1]

NG: O “Manifesto Ciborgue” foi publicado originalmente na Socialist Review em 1985, há 25 anos. Quais eram seus objetivos e motivações ao escrever esse ensaio?
DH: Havia dois tipos de documentos de posição pública que fui solicitada a produzir no contexto do feminismo socialista e, de modo mais amplo, dos novos movimentos de esquerda nos Estados Unidos nos anos 1980. Do ponto de vista dos Estados Unidos, logo após a eleição de Reagan, o coletivo da Socialist Review na costa oeste pediu a mim e a várias outras pessoas – Barbara Ehrenreich e outras – para escrever cinco páginas discutindo as posições feministas socialistas e questionando as mudanças políticas urgentes que deveríamos promover. Questionamo-nos que futuro poderia haver para nossos movimentos no contexto na eleição de Reagan e, é claro, o que aquela eleição representava em termos de questões culturais e políticas mais amplas, não apenas nos Estados Unidos, mas em escala mundial. Thatcher, na Inglaterra, simbolizou isso um pouco, mas era algo maior do que qualquer formação nacional.
Assim, fomos solicitadas a produzir cinco páginas enfrentando essas questões a partir de nossas heranças; e isso foi o estímulo imediato para o texto publicado na Socialist Review e que circulou como um manifesto para ciborgues, ou, como eu realmente gostaria de intitulá-lo, “Manifesto Ciborgue”, em uma relação de brincadeira com o Manifesto Comunista de Marx. Houve porém outro estímulo relacionado com a mesma rede de pessoas: uma conferência internacional dos novos movimentos de esquerda em Cavtat, na antiga Iugoslávia (hoje Croácia), alguns anos antes do texto sair na Socialist Review. Pediram-me para representar o coletivo da Socialist Review nessa conferência, e isso me ajudou a pensar de um modo mais transnacional a respeito das informáticas da dominação, a política ciborgue e a importância extraordinária dos mundos de tecnologia da informação (TI).
O ensaio proveio também da minha própria história como bióloga. Meu PhD é em biologia. Amei a biologia e me engajei profunda e apaixonadamente em seus projetos de conhecimento: suas materialidades, organismos e mundos. Mas também sempre me apropriei da biologia a partir de uma formação acadêmica igualmente poderosa em literatura e filosofia. Política e historicamente, jamais pude considerar o organismo como algo simplesmente dado. Estava extremamente interessada nos meios pelos quais o organismo é um objeto de conhecimento, como um sistema de produção e distribuição de energia, ou como um sistema de divisão de trabalho com funções executivas. Essa é a história do ecossistema como um objeto que só pôde vir à luz no contexto do manejo de recursos, o rastreamento de energias através dos níveis tróficos, os aparatos de marcação viabilizados pelas instalações nucleares de Savannah Rivers, e a emergência das guerras inter-disciplinares em cibernética, química nuclear e teorias de sistemas.
Para mim, nunca foi realmente possível apropriar-me da biologia sem um tipo de consciência impossível da historicidade radical de tais objetos de conhecimento. Você lê pessoas como Foucault e nunca mais é a mesma. Mas nunca fui uma pós-modernista a partir de uma tradição fundamentalmente literária e arquitetônica. Para mim, a questão sempre girou em torno das materialidades da instrumentação de organismos e de laboratórios, [fui] sempre interessada nos vários não-humanos em cena. O “Manifesto Ciborgue” surgiu de tudo isso.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

"Um homem que se habitua a tudo,
penso que esta é a melhor definição que se pode dar do homem"
(DOSTOIEVSKI, Lembrança da casa dos mortos)

domingo, 8 de abril de 2012

Filósofos do PAC - Projeto de lei prevê que pensadores acompanhem obras do país

(ver http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-66/esquina/filosofos-do-pac)

por PLÍNIO FRAGA

O que têm em comum João Havelange, Carlos Alberto Torres, Bernardo Cabral, Michel Temer e Ellen Gracie? O ex-presidente da Fifa, o capitão da seleção tricampeã em 1970, o ex-ministro da Justiça de Collor, o atual vice-presidente da República e a ex-presidente do STF foram, todos, agraciados com o título de doutor honoris causa pela Academia Brasileira de Filosofia. Também foram homenageados pela mesma instituição os ministros Edison Lobão, José Eduardo Cardozo e Alexandre Padilha, e o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia. Mas estes receberam uma distinção menor – o título de “membros honoris causa” tout court, sem o grau de doutor. Pelos critérios insondáveis da Academia, Temer filosofa melhor que Lobão, e o boleiro Carlos Alberto ocupa um lugar mais elevado entre os herdeiros de Sócrates (o filósofo) do que o ministro da Saúde.

Mas não é só. Por obra da Academia, tramita no Congresso um projeto de lei – número 2533/11 – proposto pelo deputado federal Giovani Cherini, do PDT gaúcho, que pretende regulamentar a profissão de filósofo no Brasil. Se for aprovado, grandes obras, como a transposição das águas do São Francisco, o trem-bala Rio–São Paulo ou a modernização do Maracanã, podem mobilizar não apenas arquitetos, engenheiros, advogados e outros especialistas, mas também... filósofos.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Laymert Garcia dos Santos

Nas próximas semanas, o grupo PET inicia leitura da obra 'A Antropologia do Cibrgue. As vertigens do pós-humano'.
Para antes dessa imersão, colocamos a disposição as aulas do sociólogo Laymert Garcia dos Santos, sobre o filósofo Gilbert Simondon!

http://cteme.wordpress.com/2011/03/02/aula-do-laymert-020311/

O mundo sem pessoas

Os seres humanos dependem mais das máquias que as máquinas dependem do seres humanos?
As máquinas estão externas ao nosso corpo, ou fazem parte de nós mesmos?

http://www.youtube.com/watch?v=0QkBdgTnXr8

terça-feira, 3 de abril de 2012

"Queríamos dizer a coisa mais simples do mundo, que: Até agora, vocês falam abstratamente do desejo, pois extraem um objeto que é, supostamente, objeto de seu desejo." Gilles Deleuze