de: http://www.livrosepessoas.com/2012/11/25/presos-que-lerem-dostoievski-terao-pena-reduzida-em-sc/
Um projeto da Vara Criminal de Joaçaba, no Oeste de Santa Catarina, prevê a redução de até quatro dias na pena de detentos que lerem obras clássicas, de autores como Fiódor Dostoiévski. A proposta, chamada ‘Reeducação do Imaginário’, é coordenada pelo juiz Márcio Umberto Bragaglia e iniciou na manhã desta sexta-feira (23).
De acordo com o Tribunal de Justiça (TJ) do estado, a proposta consiste na distribuição dos livros aos apenados da comarca. Posteriormente, magistrado e assessores vão realizar entrevistas. “Os participantes que demonstrarem compreensão do conteúdo, respeitada a capacidade intelectual de cada apenado, poderão ser beneficiados com a remição de quatro dias de suas respectivas penas”, explica o TJ.
“O projeto visa a reeducação do imaginário dos apenados pela leitura de obras que apresentam experiências humanas sobre a responsabilidade pessoal, a percepção da imortalidade da alma, a superação das situações difíceis pela busca de um sentido na vida, os valores morais e religiosos tradicionais e a redenção pelo arrependimento sincero e pela melhora progressiva da personalidade, o que a educação pela leitura dos clássicos fomenta”, explicou o juiz Bragaglia.
O primeiro módulo prevê a leitura de ‘Crime e Castigo’, de Fiódor Dostoiévski. No segundo módulo, os apenados devem ler ‘O Coração das Trevas’, de Joseph Conrad. Depois, estão previstas obras de autores como William Shakespeare, Charles Dickens, Walter Scott, Camilo Castelo Branco, entre outros. Os livros serão adquiridos em edições de bolso, com verbas de transação penal destinadas ao Conselho da Comunidade.
Na manhã de sexta (24), os participantes do projeto, todos apenados voluntários do Presídio Regional de Joaçaba, receberam uma edição de ‘Crime e Castigo’, acompanhada de um dicionário de bolso. As avaliações estão previstas para ocorrer após 30 dias. Ainda conforme o TJ, o projeto tem o apoio do Ministério Público de Santa Catarina.
terça-feira, 27 de novembro de 2012
domingo, 25 de novembro de 2012
Sobre nosso projeto de Sociologia dos Afetos
Eu não queria fazer Sociologia dos Afetos. Quando ouvi que faríamos isso no PET me irritei porque imaginei que seria obrigada a estudar “a sola do sapato esquerdo de Luís XIV” – o que é meu código pessoal para me referir a uma pesquisa irrelevante. Afeto era restrito e chato porque se referia a afetação corporal humana compartimentada e rotulada como isso ou aquilo. Como você, sujeito-objeto de minha pesquisa, exprimiria o que está sentindo agora? O que você acha que causa isso? Como você acha que isso é potencializado ou abrandado? Agora vamos ver se, observando ou experimentando novas condições, encontramos respostas para essas perguntas que sejam iguais ou destoantes das suas.
Acreditei nisso por muito tempo. Foi somente à altura
da sexta obra de nossa lista, a Antropologia do Ciborgue de Harraway – e
enquanto nos recuperávamos do grande soco no estômago que foi ler metade do
Anti-Édipo de Deleuze e de Guattari –, que o sentido, a utilidade e a
relevância do que estávamos lendo e do que estávamos planejando se revelaram
para mim. Imagino que o fato de que isso se demorou assim seja um sintoma não
simplesmente da minha lerdeza, mas de que o sentido, a utilidade e a relevância
que vejo nesse tipo de trabalho são, antes de qualquer coisa, muito pessoais – e é na exposição desse
tipo de coisa que reside em parte, acho, o valor de se fazer esse registro e o
valor da proposta de fazermos circular entre nós textos nossos sobre o mesmo
assunto.
Bom, dito isso, elenco, no que segue, alguns pontos
sobre como, por enquanto, as etapas de nosso trabalho em andamento têm me
servido.
A “Ética” de Espinosa, ao lado do texto de Haraway e
dos livros de Le Breton, Darwin, Deleuze e Guattari, me permitiu encontrar um
modo de exprimir minha própria concepção de práxis,
prática social, ou, simplesmente, e como prefiro, prática - concepção essa que ainda segue, para mim, sendo a mais
útil e que, portanto, devo ter em mente enquanto escrevo sobre nosso projeto,
salvo faça novos achados. Em ensaio sobre as implicações teóricas e
metodológicas que têm as concepções clássicas de agência e estrutura em
sociologia percebi, com a ajuda da “Ética”, que se pode ter uma imagem muito
menos problemática do vínculo entre agência e estrutura caso se o pense como
uma co-determinação processual e caso se pense indivíduo e sociedade como se
referindo a duas das formas passíveis de se atribuir
aos modos de existência, - isto é, aos modos de manifestação empírica (material
e/ou ideacional)-, seja da agência social, seja da estrutura social. Nisso,
devo a Espinosa especialmente a linguagem acerca dos modos da substância e de
seus atributos; a Haraway, a Deleuze, a Guattari, a Le Breton e a Darwin, a
atenção às potências agenciais e estruturais de qualquer instância do real - ou, como gostamos de dizer à época em que
discutíamos o livro, ao status de humanidade (especialmente no que diz respeito
à “animidade”) das coisas e das ‘pessoas não humanas’; e por fim, a Deleuze e
Guattari, a lembrança do interesse em frisar que falar dessas instâncias e de seus
atributos não é mais que falar de recortes de fluxos e que o que podemos fazer
é nos certificar de que esses recortes e a análise desses recortes sejam
significativos.
Tendo terminado nossas leituras de Ingold
recentemente, e retornando ao trabalho de Wacquant à luz disso, noto que as
dificuldades que ambos os autores têm de escapar ao recurso de se referir a uma
realidade corporal, a uma realidade mental e a um mundo extra-mental e
extra-corporal – embora insistam em que estes modos da realidade não possam ser
compreendidos de fato (ou não existam, se depreendemos do que dizem uma dúvida
mais radical) senão em sua inter-relação – podem dizer respeito à ação conjunta
dos seguintes fatores: por um lado, a acima referida característica de fluxo da
substância e, por outro, o hábito hegemônico no Ocidente hodierno de se seguir
usando esses recortes heuristicamente.
Do que lemos de Ingold, creio que podemos herdar,
também, uma boa definição de afeto. Já em “Pare, olhe, escute!”, vemos que o
autor entende a percepção como movimento - e qualifica, valendo-se
heurísticamente daqueles recortes tradicionais de sua linguagem, como da nossa
-, movimento do corpo pelo seu ambiente.
Alguns comentários talvez devam ser feitos antes que o
valor dessa definição para o meu esquema fique evidente. Em primeiro lugar, digo
que se vale heuristicamente desses recortes por que, conforme apontado há
pouco, Ingold a todo momento nega que essas instâncias, como a instância a que
se chama “mente”, tenham qualquer modo de
ser que não o de um sistema sinérgico composto por todas elas. Realidade
ideacional e realidade material; natureza e cultura; corpo, mente e mundo
externo; assim como os demais fenômenos reais – p.ex. os cinco sentidos humanos
(ou, coisa que Ingold não diz, mas que eu acrescentaria em meu esquema pessoal)
coisas, pessoas ‘não humanas’ e pessoas humanas – , não existem fora de suas
relações umas com as outras. Isso significa que qualquer atributo seu depende dessa
relação e é afetado por essa relação; e que, para o acessar enquanto caractere
dessa instância sistemicamente dependente, só podemos recorrer a essa instância
enquanto ela existe como tal, ou seja, enquanto está em relação sistêmica. Em
segundo lugar – coisa que, tendo o ponto anterior sido posto, deve ser mais
óbvia –, o fenômeno da percepção a que ele se refere é perfeitamente
equivalente à concepção abrangente de afeto que julgo ser a mais adequada.
Longe de ser algo puramente mental, corporal, ou mesmo puramente
corpóreo-mental, o afeto empírico é um fenômeno total que diz respeito a
movimento e limites – movimento e limites esses que não são nem puramente
ideacionais, nem puramente materiais; assim como não são nem puramente
naturais, nem puramente culturais. Perdoem-me por fazer notar isso como se
fosse uma grande novidade, mas o registro aqui principalmente por razões
didáticas que beneficiam em primeiro lugar a mim mesma.
Outra questão
me veio à mente graças aos seus textos: como o próprio Ingold ressalta no
período conclusivo do texto que discriminei há pouco, esse mesmo entendimento
das instâncias do ser deve, ainda,
abrir espaço para uma concepção “mais
generosa, aberta e participativa do pensamento”, bem distante daquelas
responsáveis por condenar uma empreitada de pesquisa nos moldes da que queremos
fazer nas prisões.
Quero registrar aqui um último assunto concernindo o
que depreendi das leituras mais recentes de Ingold. Esse é mais espinhoso, mas,
acredito, tão fundamental quanto os demais. Ele foi recordado em texto desse
autor que lemos, mas, na realidade, diz respeito mais propriamente a
Merleau-Ponty. Merleau-Ponty, cuja
visitamos brevemente logo quando entrei no PET, frisa que tudo indique ser o
envolvimento com o mundo deve ser ontologicamente anterior à objetificação do
ambiente. Antes de se ver coisas, deve-se poder ver. Peço licença para me
desviar um pouco agora do que lemos no PET e usar minha leitura em Teoria do
Conhecimento para explicar o que há de tão significativo para mim nessa
colocação.
O que ela veicula é a mesmíssima ideia por trás do
ataque de Wittgenstein ao que chama “estrutura conceitual da dadidade” que
povoaria as filosofias fundacionalistas do conhecimento até então, crítica que
seria avançada por Wilfrid Sellars em fins da década de 1950.
O fundacionalismo epistêmico é a tese de que haveria
algo como conhecimentos primitivos que não são obtidos por meio de um
raciocínio inferencial que parte de quaisquer outros conhecimentos e dos quais todos os demais conhecimentos
dependem genética e validativamente. Uma imagem que representa bem essa posição
epistemológica é, aos moldes de um dos mais famosos mitos védicos, a de uma
tartaruga que sustenta um elefante. A tartaruga representaria o nosso conhecimento
não-inferencial e o elefante, o nosso conhecimento inferencial. Abaixo da
tartaruga, o chão em que ela pisa, representando a realidade em que o
conhecimento não-inferencial se basearia. Um fundacionalismo deste tipo
contraria o que comummente se chama “coerentismo epistêmico”, tese segundo a
qual todas as crenças se justificariam entre si em rede, não havendo algo como
crenças absolutamente fundamentais, no sentido de não serem justificadas por
outras. A imagem que melhor representa esta posição epistemológica seria a de
uma serpente flutuante que morde o próprio rabo.
Segundo Sellars,
porque apenas o que é proposicional (e, portanto, conceitualmente articulado)
pode servir como justificação ou pode demandar uma justificação, também apenas
o que é proposicional pode ter papel inferencial de premissa ou conclusão e,
portanto, constituir conhecimento. Não poderia haver um estrato do conhecimento
autônomo em face da linguagem e, consequentemente, independente da vida em
sociedade que insere o sujeito do conhecimento na linguagem e que permite,
inclusive, que ele ascenda a esse status de sujeito cognoscente. O envolvimento
com o mundo deve ser ontologicamente anterior à objetificação do ambiente. Subscrever
isso não implica, porém, como pode
parecer a princípio, ser coerentista a respeito da justificação do conhecimento
empírico. Em realidade, Sellars é bastante explícito em sua rejeição da imagem
estática do conhecimento que opõe o Fundacionalismo e o Coerentismo como
propostas inconciliáveis. Para ele, o conhecimento empírico “é racional, não por ter uma fundação, mas
por ser um empreendimento de auto-regulador [self-correcting] que pode colocar
qualquer afirmação em questão, embora não todas simultaneamente” (SELLARS,
2008, p.83).
A imagem do conhecimento empírico que Sellars propõe
não é, portanto, a do elefante sobre a tartaruga que pisa no chão ou a da
serpente flutuante que morde o próprio rabo, mas – se não avanço uma metáfora
muito imprecisa – a de um círculo vertical de elefantes sobre tartarugas sobre
elefantes etc. que se rearranja, perde ou ganha novos animais caso a pisada de
um deles no chão o exija.
Essa ideia é compatível, sim, com um ceticismo radical
a respeito da possibilidade de conhecer as formas da realidade extra-mental,
como com um ceticismo radical a respeito da existência de uma realidade
extra-mental. Isso não é, no entanto, tudo - essa visão pode, ainda, ser compatibilizada
tanto com um realismo ou empirismo crítico a la Bhaskar, que se apoia num
argumento transcendental de que a ciência é possível – coisa que
particularmente não acho interessante e que, portanto, não apresentarei
longamente aqui –, quanto com um realismo ou empirismo crítico solidário a uma
teoria da verdade pragmatista a la James, que a posição epistemológica que
subscrevo. Desenvolvo-o em seguida:
William James sugere que, longe de ser a imagem da
verdade como “uma relação estática e
inerte” a única possível, tudo indicaria que ideias verdadeiras fossem mais
exatamente consideradas se tidas por aquelas que até o momento auxiliassem seu sujeito a entrar numa relação eficaz
(do ponto de vista de seus próprio propósitos) com outras partes de sua
experiência e, portanto, tudo indicaria ser mais exato supor que a veracidade “acontece a uma ideia” e que ela é um
evento causado por eventos - a saber, pelo próprio processo de verificação da
ideia. William James aposta em que o
imperativo de se garantir a veracidade de ideias não seja “uma façanha auto-imposta ao intelecto” ou “um comando vazio” que,
inesperado, emergiria como que do nada, mas sim que este imperativo seja, em
realidade, uma consequência do fato de haver excelentes razões práticas para se
ter sempre acessíveis ideias verificadas. As
ideias verificadas têm potencial como instrumentos para a ação na medida em que
maximizam as chances de que seu sujeito opte e siga um curso de ação mais
eficaz de acordo com os fins a que visa se as mobilizar. Quando uma “verdade” e uma “falsidade” não
importam em nada para uma situação concreta, elas têm o mesmo valor – isto é,
valor nenhum.
De acordo com a proposta de James, o limite da
lapidação de uma ideia seria não a “realidade”, mas sempre, também, a
experiência do sujeito. Essa posição tem, portanto, a vantagem ser compatível
tanto com a tese de que a verdade e a realidade estejam, como a experiência, em
mutação, quanto com a de que, inversamente, não o estejam.
Pode-se, com isso, pensar em um
sujeito do conhecimento que, a nível da razão teórica, suspende julgamento
quanto à dúvida cética clássica - questionamento acerca da existência de um
mundo extra-mental independente - e para tudo o que uma tal crença implica, mas
que, a nível da razão prática, age como se acreditasse que ela é irrelevante
por motivos pragmáticos. Munida dessa herança argumentativa, acredito que os
resultados de qualquer pesquisa empírica, frutos do recurso despretensioso ao
crivo das exigências de coerência interna e ao tribunal da experiência do
sujeito, esteja tão isenta quanto possível da a acusação de ser rebenta de um realismo
ou empirismo ingênuo.
Tendo exposto a posição
epistemológica em que me fio e sem abandonar o que disse acerca da prática,
sociedade, mente, corpo, ambiente, natureza, cultura, materialidade e
idealidade anteriormente, arriscarei algumas hipóteses acerca do que
encontraremos em campo nas prisões e sobre os efeitos de nossa intervenção e,
nisso, usarei algo da narrativa de George Herbert Mead sobre a formação do self:
Como outros de seus contemporâneos
alinhados ao Pragmatismo, Mead se apropria do insight neokantiano sobre a conexão entre razão e comunidade (as
categorias apriorísticas
imprescindíveis para se obter uma percepção da realidade teriam raízes
sócio-históricas e, portanto, seriam sócio-historicamente variáveis) a partir
de uma perspectiva pós-darwinista e postula a razão em termos de uma conduta
incorporada resultante de um processo biossocial de evolução. Vejamos:
Quando, no cenário evolucionário, se
desenvolvessem, em certos mecanismos, habilidades sensoriais, inaugurar-se-ia a
atividade proposital (que se faria no sentido da manutenção da integridade do
organismo) ali onde só havia atividade mecânica. O organismo sensitivo
experimenta o impulso de selecionar seus estímulos ambientes (meios da
manutenção de integridade) por meio de sua atividade e de sua sensitividade – é
esse impulso o que, em Mead, corresponde à inteligência em seu sentido mais
extenso. A inteligência não é, em seu esquema, sinônimo de pensamento ou
raciocínio,
O movimento de seleção sensitiva do mundo
pelo organismo corresponde à formação de seu quadro de referência
espaciotemporal para a realidade, isto é, daquilo que Mead chama de
perspectiva. Isso permite ao organismo desenvolver sua capacidade de “prever”
(prática ou tacitamente) o resultado de uma ação – ou, mais precisamente, sua
capacidade de ajustar sua atividade habitual ao curso de ação que venha se
provando eficaz.
É apenas quando o organismo sensitivo, por
meio da experimentação prática de outras perspectivas particulares que importem
para sua ação, captura seu reflexo, que a consciência emerge – e é apenas por
meio da experimentação prática sistemática
das outras perspectivas que importem para sua ação, que a consciência de si
emerge, ou, o que significa o mesmo, que o self
e a mente (habilidade de abandonar ou adotar perspectivas diferentes que
importem para sua ação conscientemente e
por vontade própria) emergem paralelamente.
Essa diferença entre experiência
assistemática e sistemática do outro, apresentada a partir de uma perspectiva
filogenética, também prova ser importante, no esquema de Mead, quando se
considera a formação do self a partir
de uma perspectiva ontogenética. Neste caso, a diferença entre ambas as
experiências assume especial relevância, posto que uma e outra sejam, aí, dois
pontos de um processo temporalmente ordenado e unidirecional de formação do self. O processo de formação do self para um indivíduo da espécie humana
dependeria, segundo Mead, do engajamento do indivíduo em situações de adoção e
troca de papéis em que ele poderá explorar o significado social dos objetos e
processos particulares em relação consigo por meio de sua imitação, um de cada
vez, e da posição dos papeis que assume em “interação” uns com os outros dentro
do lapso que exige a passagem da ação sob performatização de um e de outro. Mead aponta as situações de role-playing em que crianças se engajam
sem qualquer necessidade de parceiros e sem regras de conduta como ilustração
desta situação.
À medida que explora as perspectivas do
outro imediato que se lhes apresentam desta maneira e à medida que as acolhe,
as organizando e generalizando, a criança passa a adquirir uma noção de self mais sofisticada, uma noção mais
completa do seu ato social, um outro generalizado. Ela poderia, então, engajar-se eficazmente em
situações em que a sua ação tem de se fazer, a cada momento, sob a luz do seu
papel definido e do que, no papel dos demais, importe, posto que os papeis a
serem assumidos no jogo estejam, todos, organicamente interrelacionados. Mead
ilustra esse tipo de situação remetendo aos jogos. Estes se fazem em situações
em que o ambiente útil para sua ação é mais complexo que o da brincadeira,
envolvendo parceiros e regras de conduta – o que corresponde a dizer que ele
requer de cada jogador, a cada momento, o domínio do que, na ação dos demais,
importa para a sua própria, além da administração das participações que tenha
em vários outros campos de interação, de modo a que estas não ponham obstáculos
a sua interação eficaz no jogo.
A reflexividade no esquema do autor é
aquela potência de certos organismos sensitivos tornada, quando há necessidade
prática para tanto, capacidade – inalienável senão por engajamento intenso – de
organismos dotados de mente para se fazer objeto para si. A captura de si – que
se dá, conforme exposto anteriormente, pela apresentação prática das linhas
possíveis de ação via experimentação sistemática de outras perspectivas que
importem para a ação – pressupõe, é claro, que outras perspectivas importem
para ação; isto é, que o ambiente útil
do organismo sensitivo envolva outros organismos sensitivos.[1] Pressupõe, portanto, uma
comunidade.
Uma vez que a experiência sistemática da
comunidade forme o self, porém, ele
adquire permanência e, caso não houvesse necessidade prática de continuar a
experiência do ambiente (e, portanto, da comunidade), ele se manteria
invariável, e o indivíduo poderia seguir sendo objeto para si mesmo, tendo
consciência de si. De todo modo, aquele tipo de sociedade que deve anteceder a
formação do self não pode ser, por
definição, formada pela interação de selves.
Há um tipo geral de comunicação entre organismos sensitivos ali onde um
organismo sensitivo responde inteligentemente e antes de qualquer consciência
ao seu ambiente que, por ventura, seja composto também por outros organismos
sensitivos – ou seja, produz e recebe manifestação material de “subjetividade”
ainda que não reconheça “a si” e “aos outros”, se engaja, sem consciência, numa
conversação de gestos. A este caso corresponderia a over de Mead, por exemplo,
o uivo do lobo para a matilha ou o cacarejar do galo para as galinhas.
Uma vez que o organismo possa se tornar um
objeto para si mesmo e agir para os outros e para si, de modo que sua própria
resposta ao seu próprio estímulo torne-se parte de sua conduta; ou seja, uma
vez que todo aquele processo sociobiológico acima referido tenha tomado parte e
formado o self, pode existir um
universo de discurso, um sistema de significados comuns, que possibilita uma
comunicação interpessoal por símbolos significativos, bem como uma comunicação intrapessoal por gestos significativos
(pensamento).
A sociedade, então, se fará em outros
termos.
Sociedade, de self e de mente, no esquema de Mead, são três aspectos simétricos
de um mesmo processo prático que não tem termo. O que se veicula aqui é uma
visão radicalmente processual da sociedade bastante compatível com aquela que
eu advogo no início do meu texto se tratamos as instâncias a que Mead se refere
aqui como realidades biológicas (corpo humano, ambiente externo etc.) como
recortes muito em acordo com os recursos heurísticos que a cultura de Mead
oferece a ele.
Está claro que, para Mead, somente na
medida em que tome as atitudes do grupo organizado ao qual pertence, atitudes
direcionadas à atividade social cooperativa em que o grupo está engajado, o
indivíduo desenvolveria um self
completo. Por outro lado, é também somente na medida em que cada indivíduo
envolvido nas atividades cooperativas do grupo organizado pode ter essa
experiência das atitudes dos demais que se refiram a elas, e pode dirigir sua
ação de acordo com essa experiência, é
que essas atividades são possíveis.
Essa simetria sugere levantar a questão de
se é possível, a partir do esquema de autor, pensar qualquer tipo de mudança
social e ação inovadora genuína por parte do ator social.
O self,
em Mead, não é uma substância estável, mas uma fase arbitrariamente recortada
do processo social total. Um outro recorte arbitrário lhe pareceu ainda útil
para compreeder como essa instância da realidade operaria – aquele entre I e
me. Quando o indivíduo experimentasee organizadamente as atitudes dos
outros significativos para si e as importasse para sua conduta, ele se tornaria
consciente de uma fase de seu self a
que Mead chama me. O me determina a conduta do individuo, apresenta
as situações presentes ao self à luz
da experiência passada e lhe indica uma determinada resposta, mas o momento da
ação efetiva do self frente a
qualquer situação social só entraria na experiência do indivíduo e só estaria
acessível a sua consciência depois de concluída a ação. Outra fase do self deveria, portanto, ser distinguida,
e Mead a chama de I. O I responderia ao me, mas também o desafiaria. A fonte da variância entre a ação do I e a prescrição do me no esquema de Mead – segundo pude constatar – diz respeito
sempre a uma perturbação situacional. Essa perturbação situacional pode ser
levada a cabo pela ação, consciente ou não, intencional ou não, do próprio
indivíduo, ou pela ação, consciente ou não, intencional ou não, de sujeitos
ambientes, sejam eles selves,
organismos sensitivos ou mecanismos. De todo modo, perturbações situacionais
provocadas pela ação consciente ou inconsciente e intencional ou não
intencional, são possíveis, Mead sugere, porque, se por um lado qualquer
interação só pode ser levada a cabo pelo indivíduo por instrumentos processuais
e volitivos tomados do grupo, se por um lado todos os selves são constituídos em termos da experiência e dos padrões
comportamentais socialmente informados, eles o são apenas a partir de sua
posição particular, singular, única
no processo social Agindo, o indivíduo dá a essa perspectiva única expressão e
assim administra mudança no processo social.
Então, as vivências passadas de um ator
sedimentariam propensões a agir, pensar e sentir, mas estas seriam passíveis de
reformulação - reflexiva ou meramente prática, pré-reflexiva - pelos atores.
Essa reformulação, entretanto, deverá obedecer aos limites necessários à
manutenção da possibilidade de interação ali onde a interação for necessária à
prática eficaz.
Essa narrativa de Mead, excetuando talvez
a negação do self a pessoas não humanas, é bem parecida com a narrativa que
crio quando tento sistematizar as conjecturas que faço, por enquanto, sobre o
que encontraremos no presídio e sobre o que significará nossa presença ali. Não
vejo motivos para negar o caráter ativo das instâncias que reconheço como sendo
os corpos e mentes das internas, agentes penitenciárias, ou como sendo a pedra,
ou como sendo os demais agentes humanos ou não humanos envolvidos na vida
prisional. Tampouco acho possa pretender que necessariamente não haja qualquer
passividade relativa ou, pelo menos, qualquer atividade impotente frente
efeitos de atividades contrárias. Nisso acho que estou de acordo com o PET, se
não me engano muito. Imagino, ainda, como já disse em reuniões passadas, que a
diferença entre as afecções das internas e as de nós que também circulamos aqui
fora é uma de variedade e fico bastante incomodada em dizer sem muita reflexão
sobre o assunto que uma experiência de menos afecções seja per se uma experiência
pior. O que ouso sugerir é que, hegemonicamente, no recorte social em que vivo,
experimentar uma variedade de afecções maior do que aquelas que se experimenta
em regime de encarceramento parece mais útil/valioso/capacitador. As internas
estariam, sob essa perspectiva, em uma posição pouco vantajosa. Talvez nossa
intervenção nos permita dizer algo disso. Talvez ela prove que outras perguntas
sobre os afetos na prisão são mais interessantes.
[1] Dizer que algo importa para a eficácia
ação é o mesmo que dizer que considerar (pelo menos praticamente) algo é uma
necessidade prática. No esquema de Mead,
a consciência de si que têm os seres humanos é efeito de uma necessidade
prática ligada às bases fisiológicas de
seu organismo: há certos impulsos, no indivíduo, aos quais ele só poderá dar
expressão e obter meio de satisfação por cooperação com outros indivíduos (ver
MEAD, 1934, p.141). “The human being’s
physiological capacity for developing mind or intelligence is a product of the
process of biological evolution, just as his whole organism; but the actual
development of his mind or intelligence itself, given that capacity, must
proceed in terms of social situations wherein it gets its expression and
import; and hence it is a product of the process of social evolution (…).”
(MEAD, 1934, p 226)
sábado, 24 de novembro de 2012
Resultado Final Seleção 2012
Ficamos felizes em comunicar a relação de aprovadxs pelo Processo Seletivo 2012, segundo ordem de colocação:
1-
(Bolsista) - 10/0025641
2-
(Bolsista) - 09/0122283
3-
(Bolsista) - 10/0123694
4-
(Voluntário) - 11/0146875
5-
(Voluntário) - 11/0135504
6-
(Voluntário) - 11/0110269
Solicita-se que xs aprovadxs estejam presentes já na reunião de terça-feira, 27
de novembro, às 19:00 horas, no Centro de Pós-Graduação de Sociologia, na Sala
do PET (laboratório de pesquisa 03, BSS-508/58)
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
Resultado Seleção 2012
Queridas/os candidatas/os, parabéns! Esperamos vocês para a segunda fase, que acontece dia 23 de novembro (esta sexta), às 14h, no mesmo local.
09/0122283 - Aprovado
10/0025641 - Aprovado
10/0123694 - Aprovado
11/0110269 - Aprovado
11/0135504 - Aprovado
11/0146875 - Aprovado
09/0122283 - Aprovado
10/0025641 - Aprovado
10/0123694 - Aprovado
11/0110269 - Aprovado
11/0135504 - Aprovado
11/0146875 - Aprovado
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Textos Tim Ingold
O PET inseriu no seu programa de leituras três textos de Tim Ingold (mais informações sobre o autor aqui!)
Pare, olhe, escute! Visão, audição e movimento humano.
Pare, olhe, escute! Visão, audição e movimento humano.
As reuniões são sempre abertas e ocorrem às terças e quintas, das 19h às 21h, no Centro de Pós-Graduação de Sociologia, no subsolo!
Para qualquer dúvida ou confirmação da reunião, é só deixar um comentário!
PRÓXIMA LEITURA: Quinta-feira (dia 22/11/12) - Da transmissão de representações à educação da atenção.
PRÓXIMA LEITURA: Quinta-feira (dia 22/11/12) - Da transmissão de representações à educação da atenção.
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
Corpos Presentes
A mostra inédita ocupa os três andares e o subsolo do prédio do CCBB, com o objetivo de traçar um panorama da carreira de Antony Gormley. A exposição ilustra a diversidade da obra do artista inglês e conta com importantes instalações, além de modelos, maquetes, gravuras, fotografias e vídeos nunca apresentados no Brasil. A intrigante instalação Event Horizon (Horizonte de Eventos) – já montada em Londres e Nova York – reúne no entorno do CCBB 31 esculturas de corpos em tamanho real ocupando espaços públicos.
Assinar:
Postagens (Atom)